Significado de Eclesiastes 7:15-18

Salomão viu em seu tempo de vida cheio de vapor e futilidade duas coisas que parecem ser contradições: Um homem justo que perece em sua justiça junto com um homem ímpio que prolonga sua vida em sua impiedade. Mesmo que reconheça que Deus julgará todas as coisas (Eclesiastes 3:14-17), Salomão entende que a justiça nem sempre parece ser aplicada durante a vida sob do sol. Às vezes, o homem ímpio parece sair impune, enquanto o homem justo perece, talvez exatamente por causa de sua justiça.

O conselho de Salomão nessa observação é que não devemos ser excessivamente justos ou sábios. Ele diz que isso pode nos levar à ruína. Salomão parece estar falando sobre dois sistemas de justiça e sabedoria. O primeiro é o que conhecemos, o segundo é o sistema replicado pelo mundo ao nosso redor. Compreendemos a necessidade da sabedoria, mas as pessoas não estão prontas para ouvi-la. Se não estão prontas para ouvi-la, fazer as coisas de forma justa ou tentar ajudá-las a evitar a dor da tolice não trará nada de bom, pelo contrário, as convidará a trazer danos ainida maiores para si mesmas.

Jesus disse algo similar no Sermão da Montanha. Talvez Ele tivesse essa passagem em mente. Quando vemos a necessidade de correção em outras pessoas (cisco no olho do outro), Jesus nos diz que esta ação é benéfica, mas Ele nos aconselha a dar dois passos para trás de trazer a correção:

1. Ele nos instrui a, primeiro, procurar o cisco em nosso próprio olho, a examinar-nos a nós mesmos em busca do mesmo erro, uma vez que normalmente não enxergamos erros nos outros sem que incorramos no mesmo erro nós mesmos. Quanto mais um erro nos outros nos incomoda, é provável que sejamos culpados do mesmo erro. Assim, o primeiro passo é lidar com nossa própria culpa e, só então, teremos a postura mental correta para oferecer ajuda, ao invés de condenação.
2. A segunda coisa que Jesus nos aconselha é fazer é uma avaliação quanto à prontidão da outra pessoa para ouvir o que temos a dizer. Jesus usa um sistema poético chamado “quiasmo” para explicar isso, dizendo:

“Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis as vossas pérolas diante dos porcos, para que não suceda que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem” (Mateus 7:6)

O quiasmo é:

A. Cachorro

            B. Porco

            B’. Porco

A’. Cachorro

Em um quiasmo, o ponto principal está no centro. Neste caso, o “porco”. Os porcos e os cachorros eram animais considerados imundos na vida judaica. Jesus estava falando com uma audiência judaica . Na questão de oferecer conselhos “sagrados” para ajudar as pessoas, Jesus aconselha a não oferecermos tal benefício para um “cachorro” para que ele não “te faça em pedaços”. Por que arriscar se machucar ao tentar fazer algo fútil?

Similarmente, Jesus diz para não “jogar pérolas” de sabedoria para os “porcos”, porque eles vão “pisoteá-las sob seus pés”. Assim, novamente, não devemos dar conselhos para beneficiar alguém que não esteja interessado em melhorar e seja resistente à mudança. Uma tentativa como esta vai apenas trazer ruína, sem gerar benefício algum para a outra pessoa. A ruína provavelmente tenha a ver com o fato de que a pessoa aconselhada poderá tomar o conselho como um insulto e buscar se vingar com uma retaliação.

Esta realidade confirma o fato de que cada pessoa deve decidir por si mesma o que quer fazer. Ninguém pode controlar as decisões de outros. Parte da sabedoria é reconhecer quando a pessoa está em uma fase de sua vida onde poderá ouvir ao conselho ou correção, ou não. Esta advertência está enraizada na realidade de que podemos controlar apenas três coisas: em quem confiamos, o que fazemos e a perspectiva que escolhemos. Não podemos controlar as decisões de outros; porém, podemos reconhecer os padrões dos outros e evitar dar conselhos a pessoas que irão rejeitá-los ou, pior ainda, que irão nos punir por oferecermos conselhos.

Salomão diz uma coisa curiosa: Não sejas demasiadamente perverso, nem sejas tolo. A parte do versículo onde ele diz “não seja tolo” é consistente com muitas outras passagens que já vimos em Eclesiastes. Porém, aqui ele diz para não sermos demasiadamente perversos. Isso pode indicar inferir que um pouco de perversidade é aceitável. Ou talvez Salomão esteja simplesmente falando sobre uma realidade vista em toda a Bíblia: a realidade de que os seres humanos são inclinados à perversidade. Todos nós pecamos. Salomão diz isso abertamente no versículo 20: Pois não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque.

Esta observação é ecoada em toda a Bíblia.

Jeremias diz:

“Enganoso é o coração acima de todas as coisas e gravemente enfermo; quem o poderá conhecer?” (Jeremias 17:9).

O apóstolo João diz:

“Se dissermos que não cometemos pecado, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (1 João 1:8).

E o apóstolo Paulo diz, falando sobre todos nós:

“Porque todos pecaram e necessitam da glória de Deus” (Romanos 3:23).

O apóstolo Paulo também fala sobre si mesmo:

“Sabemos que a Lei é espiritual; mas eu sou de carne, vendido para estar sujeito ao pecado. Pois o que faço não entendo: não pratico o que quero, mas faço o que aborreço” (Romanos 7:14-15).

Em cada caso, a Bíblia reconhece que todos os seres humanos são inclinados ao pecado. Romanos 3:23 deixa claro que todos estamos no mesmo barco, todos nós pecamos. 1 João 1:8 foi escrito para os discípulos de João, os crentes. Fica claro que, mesmo quando não estamos cientes de um pecado, ainda assim temos pecado, e provavelmente estejamos pecando mesmo sem saber. O versículo a seguir aconselha aos crentes a confessar os pecados a partir do momento em que eles se tornarem conscientes, prometendo que Deus limpará o pecado após confessado. Quando fazemos isso, Deus promete que o sangue de Cristo nos restaurará à  comunhão e intimidade tanto com Ele quanto com os outros. O apóstolo Paulo era um homem justo, mas ele reconhecia os pecados em sua própria vida.

Salomão parece estar refletindo sobre a realidade que todos nós somos inclinados ao pecado, à impiedade, mesmo sem saber. No entanto, embora a Bíblia seja realista quanto à falibilidade dos seres humanos, ela faz uma distinção clara entre os pecados cometidos deliberadamente. Pecados deliberados acontecem quando sabemos o que é correto e escolhemos fazer o errado. Este pecado resulta em consequências maiores.

Um exemplo claro é visto na história de Ananias e sua esposa Safira no Livro de Atos. Eles mentiram deliberadamente para a igreja, dizendo que estavam entregando todo o dinheiro da venda de uma propriedade quando, na realidade, estavam dando apenas uma parte do dinheiro. O apóstolo Pedro deixa claro que eles tinham sido obrigados a doar nada, então estavam livres para dar apenas uma parte do dinheiro. Entretanto, Pedro diz que eles mentiram ao Espírito Santo, aparentemente para impressionar as pessoas da igreja (Atos 5:1-11). Ananias e Safira foram disciplinados e perderam suas vidas. As palavras de Salomão se aplicariam aqui para sua impiedade intencional: “Porque morrer antes do seu tempo?” Talvez ele estivesse refletindo no princípio bíblico de que desobediência intencional gera consequências aumentadas e um julgamento muito mais severo.

Salomão termina esta seção dizendo: É bom que te apegues a isso e que daquilo não retires a tua mão; pois quem teme a Deus escapará de um e de outro. Enquanto reconhecia que, como humanos, estamos inclinados ao pecado e pecamos frequentemente, ainda podemos nos esforçar para buscar sabedoria e justiça, reconhecendo a limitação de que não podemos controlar aos outros. Todas as pessoas devem tomar suas próprias decisões.

Salomão diz que Aquele que teme a Deus escapará dessa realidade armado de duas coisas. O que são essas duas coisas? Ao começar a frase com se apegar a uma coisa e não soltar a outra, Salomão parece estar falando da compreensão da realidade de que os humanos pecam, estão inclinados ao pecado, mas possuem a escolha de agir sabiamente. Em algum momento, em algum nível, todos os seres humanos podem decidem entre agir de forma tola e pecar - ou agir de forma sábia e escolher o caminho de Deus.

Existem vários princípios que podemos lilstar dos ensinamentos de Salomão relacionados aos temas dessa passagem:

1. Não podemos controlar as decisões de outros. Eles vão decidir por si mesmos. Deus garantiu a cada pessoa o poder de decidir por si mesma três coisas: em quem ou no que confiar, que ações tomar e qual perspectiva escolher.
2. Os seres humanos são extremamente limitados em seu entendimento. Salomão deixa claro que nossa razão e experiência são tão limitadas que não conseguimos chegar ao sentido da vida, apenas se confiarmos em Deus.
3. Os seres humanos são inclinados a pecar, frequentemente e sem perceber. A sabedoria e a percepção de uma pessoa para enxergar o pecado pode parecer tolice para outra pessoa, baseada em sua ignorância.
4. Quando os seres humanos têm clareza de conhecimento, eles podem escolher andar em fé e sabedoria, ou em impiedade.

Podemos andar em sabedoria quando compreendemos todo o espectro de possibilidades em relação aos outros e a nós mesmos. Isso nos ajuda a evitar muitas armadilhas. Nos ajuda a evitar reações raivosas ao assumir que as pessoas nos estão ofendendo deliberadamente. Também nos ajuda a exercitar a sabedoria para aconselhar e repreender aos outros, ou quando tomar uma posição, quando nos adaptar e quando evitar um dado assunto ou pessoa.