Significado de Romanos 10:9-11

O quiasmo é um dispositivo literário encontrado em toda as Escrituras, no qual uma série de declarações são feitas e depois repetidas em imagens espelhadas. Ele assume a seguinte forma:

A

B

C

D

D'

C'

B'

A'

As afirmações A e A' são imagens espelhadas; B e B' são imagens espelhadas; C e C' são imagens espelhadas; D e D' são imagens espelhadas. Um quiasmo pode ter tantos elementos quanto se desejar, mas no mínimo de dois. Assim, o quiasmo mais curto é:

A

B

B'

A'

Um exemplo nas Escrituras encontra-se no Sermão da Montanha, onde Jesus fala sobre cães e porcos. Ele diz:

A—Cão

B—Porco

B'—Porco

A'—Cão

Aqui está a citação (note a ordem de cão, porco, porco, cão):

"Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis as vossas pérolas diante dos porcos, para que não suceda que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem" (Mateus 7:6).

Veja que B' refere-se ao porco, porque os porcos pisoteiam; A' refere-se ao cão, porque os cães mordem. Uma vez que esse formato era familiar aos leitores das Escrituras, notamos que ele é encontrado em toda a Bíblia. Alguns demonstram que todo o livro de Daniel foi escrito seguindo um formato quiástico. Quando a forma quiástica é usada, a ênfase está no centro. Assim, no caso do cão-porco-porco-cão, a ênfase está no "porco". Na cultura judaica, tanto os porcos quanto os cães eram imundos; porém, os porcos eram o exemplo mais imundo.

O quiasmo de Romanos 10:9, 10 é A, B, B', A':

A Confessar

B Crer

B' Crer

A' Confessar

Uma vez que Paulo acabara de contrastar a justiça da lei de Levítico 18 (que não traz justiça) com a justiça da fé de Deuteronômio 30 (que traz justiça), faz todo o sentido que a fé/crença seja o ponto central (quando as Escrituras falam de justiça, elas se referem à vida em harmonia com os bons desígnios de Deus para a humanidade, ou seja, amar e viver em harmonia com Deus e uns com os outros).

Paulo demonstra, com base em Deuteronômio 30, que o caminho para a justiça e para as bênçãos não era difícil. Bastava para a pessoa crer que no que estava em seu coração, confessar tal crença e, então, agir em direção a tal crença (Romanos 10:6-8).

A sequência é: "Creia, confesse, aja". Paulo deixa de fora o "agir" neste resumo, mas ele está implícito. Uma vez que confessamos algo abertamente, a ação naturalmente se seguirá.

Assim, o que Paulo nos admoesta a fazer aqui nos versículos 9 e 10 é tomar o princípio de Deuteronômio 30 (crer, confessar, agir) e aplicá-lo. A forma como "escolhemos a vida" (Deuteronômio 30:19-20) é crer no coração que Deus ressuscitou a Jesus dentre os mortos; em outras palavras, crer no Evangelho, confessar com a boca que Jesus é Senhor e viver essas palavras. Quando fazemos isso, seremos salvos (v. 9).

O quiasmo é:

A - CONFESSE: se confessares com tua boca a Jesus como Senhor (v. 9a)

B - CREIA: e creres em teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo (v. 9b)

B' - CREIA: pois com o coração se crê para a justiça (v. 10a)

A' - CONFESSE: e com a boca se confessa para a salvação (v. 10b).

Assim é a obediência da fé. Não é autojustificação baseada em um conjunto de regras. É fruto de um coração obediente, remodelado pela Palavra de Deus.

A salvação da qual se fala aqui pode ter duas aplicações. Primeiro, ao crermos em Jesus, somos justificados aos olhos de Deus (João 3:14-15; Romanos 3:22-24). Todos os crentes têm a justiça de Deus imputada a eles por causa da morte de Jesus. Recebemos a justiça de Jesus através da fé (Romanos 3:22-24, 4:3). Crer em Jesus nos salva da penalidade do pecado — separação de Deus.

Também alcançamos a salvação do poder do pecado em nossa vida diária quando andamos pela fé. Ao andarmos pela fé, semeamos para a vida e colhemos justiça (harmonia com os bons desígnios de Deus) (Gálatas 6:8). Assim, alcançamos a grande recompensa de viver em paz com Deus e ter nosso projeto cumprido, ou seja, reinar com Ele.

O ponto central do quiasmo é a fé: “Se creres em teu coração”. Este é, portanto, o argumento que sustenta o livro de Romanos, conforme afirmado no capítulo 1:

Pois não me envergonho do evangelho, porque ele é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e depois do grego. Pois no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé" (Romanos 1:16-17).

A "salvação" sobre a qual se fala em Romanos 1 e Romanos 10 é idêntica. Em ambos os casos, referem-se tanto à justificação recebida quando cremos, como também à salvação das consequências do pecado ao andarmos pela fé. Isso é consistente com a frase "de fé em fé", em Romanos 1:17 - da fé inicial até a fé para viver todos os dias. Em ambos os casos, somos salvos do impactos do pecado através da fé.

Com relação à fé inicial, basta demonstrarmos um nível suficiente de fé para olhar para Cristo, esperando ser libertos do veneno do pecado (João 3:14-15). Vimos que a principal ênfase de Romanos era a de encorajar aos crentes fiéis em Roma (Romanos 1:8) a andar pela fé em suas vidas diárias. É por isso que Paulo cita Deuteronômio 30, que admoestava Israel a crer, confessar  e agir ou guardar a palavra de Deus em suas ações diárias, a fim de receberem as bênçãos advindas de viverem na vontade de Deus.

Novamente, é importante termos em mente o contexto geral de Romanos. Paulo estava respondendo a uma acusação de calúnia contra o Evangelho da graça, ou seja, seu ensinamento de que a justiça diante de Deus era separada da Lei ou das regras religiosas (Romanos 3:8).

A justiça vem somente pela fé: “Porque com o coração se crê para a justiça e com a boca se confessa para a salvação” (v. 10). Paulo afirma novamente que viver a justiça que nos é dada como presente vinha da mesma maneira, ou seja, pela fé. Viver em retidão em nossa vida diária também não acontece através da obediência a regras. Isso vem pela fé.

A justiça (harmonia com os desígnios de Deus) em nossa vida diária vem da fé na palavra de Deus em nosso coração, depois que confessamos que essa palavra é verdadeira e a vivemos. A obediência do coração pela fé é a chave para vivermos uma vida de retidão.

É como ocorre em nossas vidas físicas. Embora nosso nascimento físico seja um presente recebido sem ação alguma da nossa parte, as consequências que experimentamos em nossas vidas são, em grande parte, moldadas por nossas escolhas. Paulo nos admoesta a escolher crer na palavra em nossos corações, confessar que ela é verdadeira e agir sobre ela. Podemos afirmar que "pensar" e "confessar" são uma coisa só.

Ao usar o termo "confessar", Paulo não desejava indicar uma decisão sem intencionalidade. Tornamo-nos aquilo que fazemos. Assim, Paulo nos exorta aqui a viver e confessar com nossa boca as verdades que sabemos ser verdadeiras em nossos corações como o caminho para vivermos o dom da justiça em Cristo diante de Deus: “com a boca se confessa para a salvação” (v. 10).

O resultado de tudo isso é a salvação. Sempre que vemos a palavra "salvar" (verbo) ou “salvação” (substantivo), precisamos nos perguntar: "O que ou quem está sendo salvo do quê?" Aqui, parece claro que qualquer um que escolha a vida ao invés da morte em sua vida diária (Deuteronômio 30:19) é salvo do "salário do pecado" (Romanos 6:23). Isso é consistente com a insistência de Paulo nos capítulos 6-8 de escolhermos a vida através da obediência da fé, ao invés de voltarmos ao pecado e suas consequências (ou "salários"). Se voltarmos à escravidão, à morte e à condenação terrena da qual fomos libertos, colheremos as consequências negativas do pecado — às quais podemos evitar ao vivermos o poder da ressurreição de Jesus.

Paulo termina essa passagem com uma promessa no versículo 11, citando novamente as Escrituras (Isaías 28:16), afirmando que andar por fé não nos levará à decepção: “Pois a Escritura diz: Todo o que nele crê não será envergonhado" (v. 11).

Isso pode ser traduzido como: Quem crê Nele será revigorado! Há grandes bênçãos e recompensas reservadas para nós se vivermos o dom da justiça ao andarmos pela fé em nossas vidas diárias (1 Coríntios 2:9). A fé é tudo o que precisamos para sermos justificados na presença de Deus. Paulo, porém, está tentando demonstrar que, se conseguirmos enxergar através dos olhos da fé todos os dias, viver pela fé produz enormes benefícios. Ele exorta seus leitores a escolherem esse caminho.