O Nascimento de Jesus em Belém: Maria e José viajam de Nazaré a Belém para se registrarem para o censo, sob o decreto de César Augusto. Lá, Maria dá à luz seu filho primogênito e o envolve em panos. Sem lugar na hospedaria, eles colocam o recém—nascido Jesus em uma manjedoura.
Não há relatos paralelos aparentes no Evangelho de Lucas 2:3-7, porém Mateus 1:18-25 descreve a concepção e o nascimento de Jesus.
Em Lucas 2:3-7, José e Maria viajam a Belém para registrar—se no recenseamento romano. Ali, Maria dá à luz seu filho primogênito, Jesus, o Messias, em circunstâncias de profunda simplicidade. Ela o envolve em faixas de pano e o deita em uma manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.
Lucas dá sequência ao seu relato sobre o nascimento de Jesus. No trecho anterior, ele havia informado seus leitores sobre o significativo evento político que antecedeu imediatamente o nascimento: um recenseamento imperial decretado por César Augusto para "todo o mundo" (Lucas 2:1). Lucas especifica que aquele foi o primeiro censo realizado quando Quirino governava a Síria (Lucas 2:2). Com base nas informações bíblicas e em outras fontes históricas antigas, esse recenseamento provavelmente ocorreu entre 8 e 7 a.C.
A introdução de Lucas (Lucas 2:1-2) nos ajuda a entender melhor quando Jesus nasceu. Mas também ajuda a explicar como Jesus nasceu em Belém.
Muitas profecias do Antigo Testamento, começando com 2 Samuel 7:12-6, predisseram que o Messias viria da linhagem do Rei Davi (Isaías 9:6-7, 11:1, Jeremias 23:5-6, 30:9, 33:14-15, Ezequiel 34:23-24,Oséias 3:5,Amós 9:11,Zacarias 3:8, 6:12-13).
Davi era de Belém (1 Samuel 16:1, 17:12).
E uma das profecias messiânicas previu explicitamente que o Messias nasceria em Belém:
“Mas tu, Belém Efrata, Que és pequena para se achar entre os milhares de Judá, De ti é que me sairá aquele que há de ser reinante em Israel E cujas saídas são desde os tempos antigos, Desde a eternidade.” (Miquéias 5:2)
Foi em grande parte por causa da profecia de Miquéias que os judeus esperavam que o Messias nascesse em Belém (Mateus 2:4-6,João 7:41-42).
Como foi que Jesus, o Messias (Lucas 1:30-33), nasceu em Belém, em vez de Nazaré, de onde sua mãe e seu pai adotivo eram?
A resposta a esta pergunta é fornecida por Lucas por causa do censo realizado por César Augusto em seu palácio em Roma (Lucas 2:1).
Deus usou a linhagem de camponeses judeus (José e Maria) e o código tributário de um imperador romano (César) para silenciosamente realizar o cumprimento da profecia de Miquéias sobre o nascimento do Messias em Belém.
Todos iam alistar—se, cada um à sua própria cidade. (v.3).
O pronome "todos" inclui todos os cidadãos do sexo masculino e/ou súditos livres do Império Romano naquela época.
Um dos requisitos para esse recenseamento era que todos deveriam se registrar em suacidade ancestral. Isso significava que todos que não morassem na cidade de seus ancestrais "sua própria cidade" tinham que viajar até ela e estar a caminho para se registrar lá.
José, um súdito judeu do Império Romano, teve que cumprir essa ordenança.
José também subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, para se alistar, acompanhado de Maria, sua esposa, que estava grávida. (v.4-5).
José era o noivo da virgem Maria, que estava grávida de Jesus, o Messias e Filho de Deus (Lucas 1:27-35—Mateus 1:18).
José morava na cidade de Nazaré, localizada no norte de Israel, no distrito da Galileia. Mas seu ancestral era o Rei Davi.
José era da casa e família de Davi, o que significava que ele era descendente do Rei Davi (Lucas 1:27—Mateus 1:16-17).
Portanto, o lar ancestral de José "sua própria cidade" não era Nazaré, onde ele vivia ou era de onde vinha, mas sim Belém, de onde vinha sua linhagem familiar.
José era da casa e família de Davi; isso significava que ele era descendente do Rei Davi (Lucas 1:27—Mateus 1:16-17).
Como seu ancestral, o rei Davi, era natural de Belém, essa cidade é frequentemente chamada de "Cidade de Davi". Em hebraico, o nome Belém significa literalmente "Casa do Pão". É profundamente significativo que Jesus, que mais tarde se revelaria como o "Pão da Vida" (João 6:48), tenha nascido justamente em Belém.
José, portanto, teve de deixar sua casa em Nazaré e viajar para o sul, até o distrito da Judeia onde se situava Belém, a fim de se alistar no recenseamento. Podemos supor que os funcionários do censo teriam se organizado para realizar o registro em diversas cidades de origem em datas predeterminadas, a fim de cobrir toda a população. Essa seria a razão pela qual José viajou a Belém mesmo com Maria prestes a dar à luz. Isso revela que Deus não apenas usou o decreto de César como instrumento, mas também se valeu da logística e do cronograma estabelecidos pelos administradores romanos para cumprir Seu propósito.
Lucas escreve que Maria, que estava noiva deJosé foi comelepara Belém. Isso sugere que este foi apenas um censo de homens. Lucas também nos diz que Maria estava grávida nessa época isto é, ela estava grávida de Jesus, o Messias e Filho de Deus. Lucas não especifica por que Maria foi com José para Belém; ele apenas afirma que ela foi junto com ele. Talvez ela quisesse estar com seu marido (que provavelmente era um dos poucos que acreditavam nela e na importância de seu filho) se e/ou quando ela desse à luz seu filho.
Segundo o costume judaico, uma criança só recebe um nome oficial após o oitavo dia de vida, o dia em que os bebês do sexo masculino são circuncidados. Lucas, seguindo esse costume, não se refere a Jesus pelo nome até a circuncisão. A única exceção foi a ordem de Gabriel a Maria, que seu filho fosse chamado de "Jesus" (Lucas 1:31).
Em vez disso, até que a criança seja nomeada, Lucas se refere a Jesus como filho primogênito (v. 7), “um bebê” (Lucas 1:12), etc. E Maria e José obedeceram à ordem do anjo e deram ao menino o nome de Jesus no oitavo dia após seu nascimento (Lucas 2:21).
De acordo com mapas modernos, a distância aproximada entre Nazaré e Belém é de 112 quilômetros. No entanto, no século I, essa jornada normalmente demandaria de três a cinco dias. A duração tenderia para cinco dias caso José e Maria optassem pela rota habitual, que contornava a região da Samaria, situada entre a Galileia e a Judeia, percurso que teria cerca de 160 quilômetros.
A razão pela qual Lucas diz que José e Mariasubiram de Nazaré para Belém, mesmo viajando para o sul, é porque Belém, situada perto de Jerusalém, era significativamente mais alta do que Nazaré. Belém fica a aproximadamente 760 metros de altitude, enquanto Nazaré fica a aproximadamente 360 metros.
A expressão "de Nazaré a Belém" também pode indicar que eles seguiram a rota mais longa contornando Samaria e subindo a partir do vale do rio Jordão. Partindo da cidade de Jericó, situada no vale do rio Jordão a 268 metros abaixo do nível do mar, a estrada de 40 quilômetros sobe impressionantes 1.016 metros em direção a Belém.
Depois de explicar o censo e a viagem que José e Maria fizeram de Nazaré a Belém, Lucas nos conta que chegou a hora de Jesus nascer:
Estando eles ali, completaram—se os dias de dar ela à luz (v.6).
Os pronomes eles referem—se a José e Maria; ali refere—se a Belém, a cidade de Davi; e ela refere—se a Maria.
Foi enquanto José e Mariase registravam em Belém para o censo de César, abrangendo todo o império, que os dias de Mariase completaram para ela dar à luz, ou seja, ela chegou ao termo e Jesus nasceu. O Evangelho de Mateus afirma que "Jesus nasceu em Belém" (Mateus 2:1a).
Depois de declarar que os dias para Maria dar à luz estavam completos, Lucas detalha as circunstâncias incrivelmente humildes do nascimento do Filho de Deus.
Teve seu filho primogênito, e o enfaixou, e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. (v.7).
Há muita coisa reunida neste versículo, então este comentário discutirá cada frase uma de cada vez.
Versículo 7a: Teve seu filho primogênito
A primeira dessas quatro frases é a mais simples e também a mais importante.
A descrição de Lucas "teve seu filho primogênito, e o enfaixou, e o deitou em uma manjedoura"é tão mundana que é facilmente ignorada e chocante.
Maria deu à luz seufilho.
Por um lado, o comentário de Lucas é de uma simplicidade e banalidade absolutas, uma mãe dá à luz seu filho. Dificilmente a cena poderia ser mais corriqueira. Não há menção a anjos cantando nem a qualquer intervenção divina explícita nessa frase; apenas a realidade humilde e universal de uma mulher parindo seu filho. Qualquer mãe, em qualquer época ou cultura, poderia identificar—se com esse momento. É difícil imaginar uma observação mais comum e terrena da experiência humana.
E é justamente a simplicidade da descrição que é tão chocante, pois a simplicidade de Lucas esconde uma maravilha além da compreensão: este não era um bebê comum.
Este foi o nascimento do Filho eterno de Deus no tempo e no espaço numa cidade chamada Belém. Deus entrou no mundo não em fogo e trovão, mas em carne e sangue, através da luta dolorosa e confusa do parto e do nascimento.
O relato de Lucas "teve seu filho primogênito" está envolto em normalidade humana que contém a verdade mais surpreendente de toda a história:
“O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (João 1:14)
A descrição simples de Lucas contrasta fortemente com a declaração cósmica do Apóstolo. A linguagem de João é elevada, filosófica e majestosa. João enfatiza com ousadia a divindade de Jesus. João enfatiza a preexistência eterna e a natureza divina d'Aquele que se encarnou.
Em contraste, Lucas emprega o vocabulário sóbrio de um historiador ou biógrafo. Enquanto João inicia na eternidade pré—existente (João 1:1) e descreve o paradoxo do Ser supremo que Se faz carne, Lucas começa nas circunstâncias mais terrenas possíveis: um recenseamento político, uma viagem da Galileia a Belém, uma mulher em trabalho de parto dando à luz seu primogênito.
João enfatiza o divino. Lucas enfatiza o humano, no entanto, as abordagens de ambos os evangelhos descrevem a mesma realidade: o Filho eterno de Deus nasceu humano.
A descrição despojada de Lucas reflete um dos temas centrais da narrativa do seu evangelho: a humanidade de Jesus. Jesus viveu uma experiência humana real, genuína e concreta. O relato de Lucas enfatiza a compaixão, a sabedoria, a força e a excelência moral de Jesus no meio confuso de tudo o que é humano.
Escrevendo para um público grego em busca de ideais filosóficos como o "Homem Perfeito" e como viver a "Vida Boa", Lucas apresenta Jesus como o ser humano mais perfeito e completo que já existiu e ele começa a narrativa deixando claro que Jesus é um ser humano real que nasceu de uma mulher real, de parto normal, após uma gravidez a termo.
E, ao apresentar Jesus como o arquétipo da humanidade plena, Lucas demonstra que a "Vida Boa", aquela que os gregos debatiam e buscavam com tanto empenho, não se conquista por meio de retórica vazia, desapego estoico, riqueza ou poder político. Pelo contrário, a verdadeira Vida Boa é encontrada ao seguir o exemplo e os ensinamentos do filho primogênito de Maria, que confiou plenamente na sabedoria divina em todas as circunstâncias, viveu sem pecado, morreu em sacrifício expiatório e ressurgiu triunfante da morte.
Ao enfatizar a humanidade de Jesus, mesmo em Seu nascimento, Lucas torna o Filho de Deus mais acessível para que possamos conhecê—lo, relacioná—lo e segui—lo.
Além de ser a declaração de Lucas de que Jesus, o Filho de Deus, nasceu, sua descrição de Jesus como seu filho primogênito pode significar um ou mais dos quatro propósitos a seguir:
Seu filho primogênito poderia aludir ao direito de Jesus de herdar o trono de Davi.
Jesus descendia do Rei Davi (Mateus 1:1, 1:17). José era o herdeiro legítimo e, como primeiro filho adotivo de José, Jesus era o sucessor legítimo. O anjo Gabriel declarou que "o Senhor Deus daria [ao filho de Maria] o trono de seu pai Davi" (Lucas 1:32b).
Seu filho primogênito pode indicar que Maria teve mais filhos e filhos mais tarde em sua vida.
Jesus tinha meios—irmãos que também nasceram de Maria (Mateus 13:55,Marcos 6:3,João 7:3-5). José era o pai dos outros filhos de Maria. Jesus foi concebido pelo Espírito Santo (Lucas 1:35 — Mateus 1:20).
Seu filho primogênito poderia antecipar e preparar o leitor para o relato de Lucas sobre a apresentação de Jesus no templo (Lucas 1:21-24).
Lucas destaca como José e Maria cumpriram a exigência mosaica ao oferecer um sacrifício (Lucas 1:24) por “Cumpridos os dias do seu ministério, retirou—se para sua casa.” (Lucas 1:23).
Seu filho primogênito também poderia indicar como Jesus era o protótipo.
A palavra grega traduzida como primogênito neste versículo é πρωτότοκος (G4416 — pronuncia—se: "prō—tó—to—kos"). Esta palavra é um composto de "protos" ("primeiro") e "tiktō" ("dar à luz" ou "gerar"). Pode significar o primeiro em tempo ou o primeiro em posição. É importante ressaltar que a palavra "protótipo" em português vem dessa raiz.
Um protótipo é o modelo original ou o primeiro modelo segundo o qual todos os outros são modelados ou julgados. No uso bíblico, "prōtótokos" frequentemente se refere não apenas à cronologia, mas também a status, autoridade e centralidade.
Jesus viveu uma vida perfeita, livre de pecado. Ele era o ser humano perfeito. E veio para redimir toda a humanidade. Nesse sentido, Jesus é o protótipo de Deus para todos os seres humanos, o que é um tema central do Evangelho de Lucas.
Essa ideia de Jesus como o protótipo "o primogênito" é explicada mais detalhadamente no Novo Testamento:
Como “primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29), Jesus é o líder e o exemplo que devemos seguir e à cuja semelhança somos predestinados a nos tornar conformados.
Jesus é o padrão original e perfeito e o modelo supremo de toda a humanidade.
Este significado de Jesus como o primogênito está intimamente ligado à descrição de Paulo de Jesus como o “segundo Adão” (1 Coríntios 15:45).
Assim como o primeiro Adão representou a velha humanidade e trouxe o pecado e a morte, Jesus (o segundo Adão)representa uma nova humanidade restaurada e traz justiça e vida eterna. Dessa forma, o termo primogênito talvez capte com mais clareza o papel de Jesus como o protótipo humano.
Como o “primogênito de toda a criação” (Colossenses 1:15), Jesus é preeminente sobre toda a criação.
Primogênito neste contexto não significa “o primeiro a ser criado”, mas “supremo sobre”. Paulo, parceiro de ministério de Lucas e autor de Colossenses, não está sugerindo que Jesus foi o primeiro ser criado.
Como Filho de Deus, Jesus era eterno e não teve começo (Miquéias 5:2,João 1:1, 8:58, Hebreus 13:8,Apocalipse 22:13). Jesus existia antes da criação e ocupa o posto mais alto acima dela. Portanto, Paulo esclareceu o papel eterno e soberano de Jesus como Criador imediatamente após descrevê—lo como "o primogênito da criação" (Colossenses 1:15), quando escreveu:
“Pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, quer sejam tronos, quer dominações, quer principados, quer potestades; todas as coisas têm sido criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele subsistem todas as coisas” (Colossenses 1:16-17)
Em vez disso, “o primogênito da criação” (Colossenses 1:15) aponta para Jesus como a fonte, o sustentador e o soberano sobre toda a criação. Como Deus, Jesus não foi criado, mas como homem, Ele nasceu na criação e como o primogênito da criação, Jesus é Senhor sobre toda a criação.
Como “o primogênito do mundo”, a quem “todos os anjos de Deus adoram” (Hebreus 1:6), Jesus é o governante soberano do céu e da terra.
Isso retrata Jesus como o herdeiro supremo e governante não apenas da Terra, mas também do céu. O fato de os anjos serem ordenados a adorar Jesus revela Sua condição divina e Filiação eterna, e o fato de que Ele não é uma mera criatura, mas o Filho exaltado e eterno de Deus.
Como “primogênito dentre os mortos” (Apocalipse 1:5), Jesus é o precursor e o modelo do que a humanidade ressuscitada se tornará.
Mais uma vez, como o primogênito, Jesus é o começo da nova ordem de Deus, Ele é o protótipo da humanidade redimida.
E "prōtótokos" descreve como Jesus foi o primeiro a ressuscitar dos mortos para nunca mais morrer. Ele detém autoridade sobre a morte e a ressurreição. A ressurreição de Jesus como primogênito é uma garantia da ressurreição futura daqueles que confiam n'Ele, portanto, Ele lidera tanto a criação quanto a nova criação.
Além disso, o uso que Lucas faz do termo primogênito/“prōtótokos” filho de Maria é um interessante complemento à descrição que o Evangelho de João faz de Jesus como o Filho unigênito de Deus (João 1:14, 1:18, 3:16, 3:18).
O termo grego traduzido como “unigênito” nestes versículos é μονογενής (G3439 pronuncia—se: “mono—gen—ace”). Significa “único” ou “nascido de forma única”.
João enfatiza a natureza divina de Jesus e seu relacionamento eterno com o Pai: “Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou.” (João 1:18), “cheio de graça e de verdade” (João 1:14b). Lucas nos mostra um bebê deitado numa manjedoura, plenamente humano, nascido no mundo como filho primogênito de Maria.
O termo de Lucas (“prōtótokos”) destaca a verdadeira humanidade de Jesus, focando em Seu nascimento terreno, enquanto o termo de João (“monogenácia”) enfatiza a divindade de Jesus.
Há uma quantidade incrível de significado nesta simples frase: E ela deu à luz seu filho primogênito. É possível que Lucas tivesse todas essas ideias e/ou propósitos em mente quando descreveu Jesus como seu filho primogênito:
O herdeiro primogênito do trono de Davi
O primogênito e o mais velho dos filhos de Maria
Uma antecipação do relato de Lucas sobre a apresentação de Jesus no templo como filho primogênito
O primogênito/“prōtótokos”, o protótipo da humanidade:
de muitos irmãos (Romanos 8:29);
da criação (Colossenses 1:15);
do cosmos (Hebreus 1:6);
e dos mortos (Apocalipse 1:5).
Versículo 7b e o enfaixou,
A afirmação de que a própria Maria o enfaixou descreve o momento em que a mãe envolveu seu bebê recém—nascido para mantê—lo aquecido. Esse detalhe íntimo provavelmente veio do testemunho ocular da própria Maria (Lucas 1:2). O amor maternal de Maria por seu filho bebê é evidente e parece ser semelhante ao afeto natural, porém intenso, que qualquer mãe tem por seu filho. A humanidade desse momento profundo é radiante e terna.
Neste ato, vemos Maria não apenas como a escolhida por Deus (Lucas 1:28), mas como uma mãe de primeira viagem fazendo o que as mães fazem há milênios: cuidar e vestir seu filho recém—nascido.
O relato de Lucas sobre Maria envolvendo seu filho bebê em panos e o colocando numa manjedoura é um dos testemunhos mais profundos da humanidade do Filho de Deus.
Jesus era plenamente Deus e plenamente homem. Sua humanidade completa não diminuiu em nada a Sua divindade, assim como a Sua divindade absoluta não suprimiu a Sua natureza humana finita. Em um paradoxo central para a fé cristã, Jesus Cristo é, ao mesmo tempo, integralmente divino e integralmente humano.
O Verbo eterno (João 1:1) havia se feito carne (João 1:14) e agora jazia nos braços de uma jovem mulher em um canto esquecido da Judeia. O Filho de Deus era um bebê indefeso que precisava dos cuidados de Sua mãe. Ele estava, ao mesmo tempo, mantendo o mundo inteiro unido (Colossenses 1:17).
Foi uma profunda humilhação voluntária que o Senhor de toda a Criação e Rei do Universo não tenha vindo em esplendor majestoso, mas, sim, envolto em panos pelos cuidados de Sua mãe. Essa forma de chegada constitui um momento crucial de Sua plena identificação com a condição humana, abraçando desde o nascimento e a infância até todas as necessidades inerentes à existência terrena.
Quando o Filho de Deus veio à Terra, Ele renunciou voluntariamente ao Seu direito divino e "o qual, subsistindo em forma de Deus, não julgou que o ser igual a Deus fosse coisa de que não devesse abrir mão, mas esvaziou—se, tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens" (Filipenses 2:6-7). Em linguagem contemporânea, poderíamos dizer que Jesus não "considerou ter o privilégio de permanecer no conforto celestial", mas, ao contrário, escolheu abraçar a missão extremamente árdua que Lhe fora confiada pelo Pai. Ao agir assim, Ele estava vivendo na prática Seus próprios ensinamentos, nos quais afirmou que a vida em plenitude é alcançada por um caminho difícil, acessível apenas através de uma porta estreita (Mateus 7:13-14).
Este momento em que Ele foi envolto em panos por Maria foi um dos primeiros de muitos outros incontáveis casos em que Jesus, como Filho de Deus, não reivindicou nem confiou em Sua identidade ou poderes divinos, não seria o último.
A expressão "e o enfaixou" refere—se ao que às vezes é traduzido como "faixas". O termo grego que Lucas usa para faixas é σπαργανόω (G4683 pronuncia—se: "spar—gan—ah—ō"). Essa palavra descreve longas tiras de tecido, em vez de uma camisa ou cobertor, muito menos um manto real para o Messias, Rei dos Reis e Filho de Deus. As faixas não eram tecidos luxuosos e suas faixas indicam a pobreza da família de Jesus.
Essas tiras de pano eram usadas para envolver firmemente o Messias recém—nascido, restringindo seus movimentos e proporcionando calor e proteção.
Curiosamente, alguns associam essas tiras de linho às usadas para sepultamento no mundo antigo.
O fato de Jesus ter sido envolto em panos ao nascer prenuncia como Ele seria novamente envolto em linho após Sua morte. José de Arimateia “desceu [o corpo de Jesus] e o envolveu num lençol de linho” (Lucas 23:53).
O paralelo entre as vestes do nascimento e da morte de Jesus é tanto simétrico quanto simbólico.
Quão apropriado é que Aquele que é “o Cordeiro que foi morto” (Apocalipse 13:8) e que “foi conhecido antes da fundação do mundo” (1 Pedro 1:20) deveria, no momento de Seu nascimento, ser envolto em um tipo de pano semelhante ao que envolveria Seu corpo no sepultamento.
Desde o início, a missão de Jesus era morrer para salvar a humanidade (Lucas 19:10).
O simbolismo presente nesse momento, estar envolto em panos semelhantes aos de um funeral, serve como uma declaração silenciosa de que essa criança nasceu para morrer e, ao fazê—lo, trazer vida a muitos.
Versículo 7c e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Os fatos nessas declarações fornecem detalhes esparsos, mas informações importantes que os leitores do Evangelho de Lucas podem usar ao visualizar e entender a cena do nascimento de Jesus.
Primeiro, Lucas registra que Maria colocou seu filho recém—nascido em uma manjedoura (um cocho para alimentação de animais). Tratava—se de um local incomum para um bebê, portanto, o evangelista logo acrescenta uma explicação: não havia lugar disponível para eles na hospedaria.
Talvez seja mais fácil explicar essas duas cláusulas na ordem inversa, porque a primeira cláusula: e o deitou numa manjedoura — é a consequência da segunda cláusula: porque não havia lugar para eles na hospedaria.
A pousada refere—se ao espaço de hospedagem pública para viajantes em Belém.
Maria e José, que eram de Nazaré, na Galileia, estavam a vários dias de viagem de sua casa, na cidade deBelém, para se registrarem parao censo de César. Sua obediência à autoridade terrena fazia parte do plano providencial de Deus. Isso os colocou exatamente onde as profecias haviam predito que o Messias nasceria (Miquéias 5:2).
A maioria das cidades da Judeia possuía uma pequena "kataluma" pública — a palavra grega traduzida como estalagem (G2646). Provavelmente não era uma estalagem comercial como imaginamos hoje, mas sim um abrigo simples perto de uma estrada principal, fonte de água e pasto para animais, kataluma estava longe de ser luxuosa. Normalmente, não passava de um ou dois quartos, com pouca ou nenhuma mobília, para acomodar todos os viajantes que não tinham uma casa para se hospedar.
Essas hospedarias serviam como alojamento gratuito para viajantes e estavam enraizadas no valor judaico da hospitalidade, ordenado pela Lei de Moisés (Êxodo 22:21,Levítico 19:33-34,Deuteronômio 10:18-19, 24:19-21). Ocasionalmente, um morador local atuava como zelador da hospedaria e podia cobrar uma pequena taxa por alimentação ou cuidados, como ilustrado na "Parábola do Bom Samaritano" (Lucas 10:34-35).
Dado o evidente estado de trabalho de parto de Maria, é altamente provável que José tenha procurado hospedagem e sido recusado. Como a maioria das katalumas abrigava vários viajantes sem parentesco, o parto dela teria perturbado todo o espaço e deslocado todos os outros. Também teria tornado o local cerimonialmente impuro (Levítico 12:2).
Em vez de expulsar todos os viajantes da hospedaria ou submeter Maria à vergonha pública, José provavelmente aceitou uma alternativa mais reservada e muito mais humilde: um abrigo isolado usado para abrigar animais. Na Judeia, naquela época (e até hoje), o gado era abrigado em cavernas fechadas. Essas cavernas protegiam o gado de predadores e elementos. As cavernas frequentemente incluíam uma manjedoura onde podiam ser alimentados e abeberados.
Ser mandado embora da hospedaria em um momento tão estressante provavelmente testou a fé de Maria e José. Com poucas opções a quem recorrer em busca de ajuda, eles estavam passando por uma emergência e uma situação difícil. Provavelmente não era isso que imaginavam quando o anjo lhes disse que seriam a mãe e o pai adotivo do Messias e, no entanto, ali estavam eles, em uma cidade diferente, a dias de casa, e o filho de Maria vinha ao mundo quando eles não tinham onde ficar.
A rejeição de José e Maria na kataluma de Belém não foi meramente circunstancial. Foi emblemática da rejeição e da falta de reconhecimento que Jesus experimentaria ao longo de Seu ministério como Messias.
O Filho de Deus, por meio de quem o mundo foi criado (João 1:3), foi rejeitado no momento do Seu nascimento. Aquele que merecia a mais alta honra foi recebido com portas fechadas e sem espaço. Como João escreveu mais tarde: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.” (João 1:11).
Esse momento já anuncia a vida de rejeição e sofrimento que caracterizaria Jesus (Isaías 53:3) e amplifica a maravilha expressa por Paulo: que, sendo rico, Ele Se fez pobre por nossa causa (2 Coríntios 8:9). O Rei não nasceu em meio ao esplendor, mas na obscuridade. E Seu nascimento em pobreza foi o prelúdio de uma vida de despojamento e de um sacrifício divinamente extravagante.
Não sabemos o local exato onde o casal foi, pois Lucas não nos diz. Ele apenas diz que ela o deitou em uma manjedoura. Como mencionado acima, uma manjedoura é um cocho usado para armazenar feno ou grãos para animais. Se você tiver a sorte de visitar Belém, poderá ver exemplos dos tipos de cavernas em que Maria teria dado à luz, em um lugar chamado "Campos dos Pastores." O local tradicional do nascimento de Jesus também é uma caverna escavada e adaptada para turistas e fica sob uma igreja construída em homenagem ao local.
O fato de Jesus ter sido colocado numa manjedoura sugere as condições humildes de Maria e José, que não podiam pagar por uma hospedagem melhor para o nascimento da criança. Isso retrata Jesus humilhando—se em obediência ao Pai. Podemos imaginar que Maria teria aproveitado ao máximo a situação. Talvez ela tenha afofado um pouco de palha para o conforto de Jesus e O tenha envolvido em faixas de pano para se aquecer e protegê—lo das picadas da palha.
Como já mencionado, diferentemente das representações modernas de estábulos de madeira, os abrigos para animais na Judeia eram frequentemente cavernas adaptadas ou recintos fechados com muros de pedra. Tanto a tradição cristã primitiva quanto as evidências arqueológicas apontam que o local do nascimento de Jesus pode ter sido uma dessas grutas. Esses espaços, com piso de terra e destinados aos animais, eram os últimos lugares onde se esperaria um nascimento real. No entanto, foi justamente ali, no cenário menos provável, que o plano redentor de Deus se revelou: Aquele que mantém todas as coisas coesas (Colossenses 1:17) foi depositado em um cocho de animais.
Novamente, há aqui uma ironia de profunda dimensão. O Criador do universo, que merecia um palácio e a adoração das criaturas, fez Sua entrada no mundo em um espaço próprio para animais. Sua mãe era uma jovem de condição humilde (Lucas 1:48), Seu pai terreno, um artesão da classe trabalhadora (Mateus 13:55), e Seu primeiro berço, um cocho de alimentação para gado.
Esta cena humilde do nascimento de Jesus resume as palavras de Filipenses 2:7: mas esvaziou—se, tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens”. E por causa da humilde obediência de Jesus, “até a morte e morte de cruz” (Filipenses 2:8), Deus exaltaria esta Criança nascida de forma obscura e lhe concederia “o nome que está acima de todo nome” (Filipenses 2:9).
O Salvador não veio em meio ao esplendor, mas em pobreza humilhante. Este foi um início muito diferente do espetacular que muitos poderiam esperar para o Messias. O Rei Divino do universo nasceu em uma gruta, como um bebê humano pobre e vulnerável, a fim de redimir a humanidade por meio de Seu sofrimento justo em carne humana para que pudéssemos, um dia, desfrutar da vida eterna com Ele em plenitude de esplendor e glória (2 Coríntios 8:9).
Lucas 2:3-7
3 Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade.
4 José também subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi,
5 para se alistar, acompanhado de Maria, sua esposa, que estava grávida.
6 Estando eles ali, completaram-se os dias de dar ela à luz;
7 teve seu filho primogênito, e o enfaixou, e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Lucas 2:3-7 explicação
Não há relatos paralelos aparentes no Evangelho de Lucas 2:3-7, porém Mateus 1:18-25 descreve a concepção e o nascimento de Jesus.
Em Lucas 2:3-7, José e Maria viajam a Belém para registrar—se no recenseamento romano. Ali, Maria dá à luz seu filho primogênito, Jesus, o Messias, em circunstâncias de profunda simplicidade. Ela o envolve em faixas de pano e o deita em uma manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.
Lucas dá sequência ao seu relato sobre o nascimento de Jesus. No trecho anterior, ele havia informado seus leitores sobre o significativo evento político que antecedeu imediatamente o nascimento: um recenseamento imperial decretado por César Augusto para "todo o mundo" (Lucas 2:1). Lucas especifica que aquele foi o primeiro censo realizado quando Quirino governava a Síria (Lucas 2:2). Com base nas informações bíblicas e em outras fontes históricas antigas, esse recenseamento provavelmente ocorreu entre 8 e 7 a.C.
A introdução de Lucas (Lucas 2:1-2) nos ajuda a entender melhor quando Jesus nasceu. Mas também ajuda a explicar como Jesus nasceu em Belém.
Muitas profecias do Antigo Testamento, começando com 2 Samuel 7:12-6, predisseram que o Messias viria da linhagem do Rei Davi (Isaías 9:6-7, 11:1, Jeremias 23:5-6, 30:9, 33:14-15, Ezequiel 34:23-24, Oséias 3:5, Amós 9:11, Zacarias 3:8, 6:12-13).
Davi era de Belém (1 Samuel 16:1, 17:12).
E uma das profecias messiânicas previu explicitamente que o Messias nasceria em Belém:
“Mas tu, Belém Efrata,
Que és pequena para se achar entre os milhares de Judá,
De ti é que me sairá aquele que há de ser reinante em Israel
E cujas saídas são desde os tempos antigos,
Desde a eternidade.”
(Miquéias 5:2)
Foi em grande parte por causa da profecia de Miquéias que os judeus esperavam que o Messias nascesse em Belém (Mateus 2:4-6, João 7:41-42).
Como foi que Jesus, o Messias (Lucas 1:30-33), nasceu em Belém, em vez de Nazaré, de onde sua mãe e seu pai adotivo eram?
A resposta a esta pergunta é fornecida por Lucas por causa do censo realizado por César Augusto em seu palácio em Roma (Lucas 2:1).
Deus usou a linhagem de camponeses judeus (José e Maria) e o código tributário de um imperador romano (César) para silenciosamente realizar o cumprimento da profecia de Miquéias sobre o nascimento do Messias em Belém.
Todos iam alistar—se, cada um à sua própria cidade. (v.3).
O pronome "todos" inclui todos os cidadãos do sexo masculino e/ou súditos livres do Império Romano naquela época.
Um dos requisitos para esse recenseamento era que todos deveriam se registrar em sua cidade ancestral. Isso significava que todos que não morassem na cidade de seus ancestrais "sua própria cidade" tinham que viajar até ela e estar a caminho para se registrar lá.
José, um súdito judeu do Império Romano, teve que cumprir essa ordenança.
José também subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, para se alistar, acompanhado de Maria, sua esposa, que estava grávida. (v.4-5).
José era o noivo da virgem Maria, que estava grávida de Jesus, o Messias e Filho de Deus (Lucas 1:27-35—Mateus 1:18).
José morava na cidade de Nazaré, localizada no norte de Israel, no distrito da Galileia. Mas seu ancestral era o Rei Davi.
José era da casa e família de Davi, o que significava que ele era descendente do Rei Davi (Lucas 1:27—Mateus 1:16-17).
Portanto, o lar ancestral de José "sua própria cidade" não era Nazaré, onde ele vivia ou era de onde vinha, mas sim Belém, de onde vinha sua linhagem familiar.
José era da casa e família de Davi; isso significava que ele era descendente do Rei Davi (Lucas 1:27—Mateus 1:16-17).
Como seu ancestral, o rei Davi, era natural de Belém, essa cidade é frequentemente chamada de "Cidade de Davi". Em hebraico, o nome Belém significa literalmente "Casa do Pão". É profundamente significativo que Jesus, que mais tarde se revelaria como o "Pão da Vida" (João 6:48), tenha nascido justamente em Belém.
José, portanto, teve de deixar sua casa em Nazaré e viajar para o sul, até o distrito da Judeia onde se situava Belém, a fim de se alistar no recenseamento. Podemos supor que os funcionários do censo teriam se organizado para realizar o registro em diversas cidades de origem em datas predeterminadas, a fim de cobrir toda a população. Essa seria a razão pela qual José viajou a Belém mesmo com Maria prestes a dar à luz. Isso revela que Deus não apenas usou o decreto de César como instrumento, mas também se valeu da logística e do cronograma estabelecidos pelos administradores romanos para cumprir Seu propósito.
Lucas escreve que Maria, que estava noiva de José foi com ele para Belém. Isso sugere que este foi apenas um censo de homens. Lucas também nos diz que Maria estava grávida nessa época isto é, ela estava grávida de Jesus, o Messias e Filho de Deus. Lucas não especifica por que Maria foi com José para Belém; ele apenas afirma que ela foi junto com ele. Talvez ela quisesse estar com seu marido (que provavelmente era um dos poucos que acreditavam nela e na importância de seu filho) se e/ou quando ela desse à luz seu filho.
Segundo o costume judaico, uma criança só recebe um nome oficial após o oitavo dia de vida, o dia em que os bebês do sexo masculino são circuncidados. Lucas, seguindo esse costume, não se refere a Jesus pelo nome até a circuncisão. A única exceção foi a ordem de Gabriel a Maria, que seu filho fosse chamado de "Jesus" (Lucas 1:31).
Em vez disso, até que a criança seja nomeada, Lucas se refere a Jesus como filho primogênito (v. 7), “um bebê” (Lucas 1:12), etc. E Maria e José obedeceram à ordem do anjo e deram ao menino o nome de Jesus no oitavo dia após seu nascimento (Lucas 2:21).
De acordo com mapas modernos, a distância aproximada entre Nazaré e Belém é de 112 quilômetros. No entanto, no século I, essa jornada normalmente demandaria de três a cinco dias. A duração tenderia para cinco dias caso José e Maria optassem pela rota habitual, que contornava a região da Samaria, situada entre a Galileia e a Judeia, percurso que teria cerca de 160 quilômetros.
A razão pela qual Lucas diz que José e Maria subiram de Nazaré para Belém, mesmo viajando para o sul, é porque Belém, situada perto de Jerusalém, era significativamente mais alta do que Nazaré. Belém fica a aproximadamente 760 metros de altitude, enquanto Nazaré fica a aproximadamente 360 metros.
A expressão "de Nazaré a Belém" também pode indicar que eles seguiram a rota mais longa contornando Samaria e subindo a partir do vale do rio Jordão. Partindo da cidade de Jericó, situada no vale do rio Jordão a 268 metros abaixo do nível do mar, a estrada de 40 quilômetros sobe impressionantes 1.016 metros em direção a Belém.
Depois de explicar o censo e a viagem que José e Maria fizeram de Nazaré a Belém, Lucas nos conta que chegou a hora de Jesus nascer:
Estando eles ali, completaram—se os dias de dar ela à luz (v.6).
Os pronomes eles referem—se a José e Maria; ali refere—se a Belém, a cidade de Davi; e ela refere—se a Maria.
Foi enquanto José e Maria se registravam em Belém para o censo de César, abrangendo todo o império, que os dias de Maria se completaram para ela dar à luz, ou seja, ela chegou ao termo e Jesus nasceu. O Evangelho de Mateus afirma que "Jesus nasceu em Belém" (Mateus 2:1a).
Depois de declarar que os dias para Maria dar à luz estavam completos, Lucas detalha as circunstâncias incrivelmente humildes do nascimento do Filho de Deus.
Teve seu filho primogênito, e o enfaixou, e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. (v.7).
Há muita coisa reunida neste versículo, então este comentário discutirá cada frase uma de cada vez.
Versículo 7a: Teve seu filho primogênito
A primeira dessas quatro frases é a mais simples e também a mais importante.
A descrição de Lucas "teve seu filho primogênito, e o enfaixou, e o deitou em uma manjedoura" é tão mundana que é facilmente ignorada e chocante.
Maria deu à luz seu filho.
Por um lado, o comentário de Lucas é de uma simplicidade e banalidade absolutas, uma mãe dá à luz seu filho. Dificilmente a cena poderia ser mais corriqueira. Não há menção a anjos cantando nem a qualquer intervenção divina explícita nessa frase; apenas a realidade humilde e universal de uma mulher parindo seu filho. Qualquer mãe, em qualquer época ou cultura, poderia identificar—se com esse momento. É difícil imaginar uma observação mais comum e terrena da experiência humana.
E é justamente a simplicidade da descrição que é tão chocante, pois a simplicidade de Lucas esconde uma maravilha além da compreensão: este não era um bebê comum.
Este foi o nascimento do Filho eterno de Deus no tempo e no espaço numa cidade chamada Belém. Deus entrou no mundo não em fogo e trovão, mas em carne e sangue, através da luta dolorosa e confusa do parto e do nascimento.
O relato de Lucas "teve seu filho primogênito" está envolto em normalidade humana que contém a verdade mais surpreendente de toda a história:
“O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.”
(João 1:14)
A descrição simples de Lucas contrasta fortemente com a declaração cósmica do Apóstolo. A linguagem de João é elevada, filosófica e majestosa. João enfatiza com ousadia a divindade de Jesus. João enfatiza a preexistência eterna e a natureza divina d'Aquele que se encarnou.
Em contraste, Lucas emprega o vocabulário sóbrio de um historiador ou biógrafo. Enquanto João inicia na eternidade pré—existente (João 1:1) e descreve o paradoxo do Ser supremo que Se faz carne, Lucas começa nas circunstâncias mais terrenas possíveis: um recenseamento político, uma viagem da Galileia a Belém, uma mulher em trabalho de parto dando à luz seu primogênito.
João enfatiza o divino. Lucas enfatiza o humano, no entanto, as abordagens de ambos os evangelhos descrevem a mesma realidade: o Filho eterno de Deus nasceu humano.
A descrição despojada de Lucas reflete um dos temas centrais da narrativa do seu evangelho: a humanidade de Jesus. Jesus viveu uma experiência humana real, genuína e concreta. O relato de Lucas enfatiza a compaixão, a sabedoria, a força e a excelência moral de Jesus no meio confuso de tudo o que é humano.
Escrevendo para um público grego em busca de ideais filosóficos como o "Homem Perfeito" e como viver a "Vida Boa", Lucas apresenta Jesus como o ser humano mais perfeito e completo que já existiu e ele começa a narrativa deixando claro que Jesus é um ser humano real que nasceu de uma mulher real, de parto normal, após uma gravidez a termo.
E, ao apresentar Jesus como o arquétipo da humanidade plena, Lucas demonstra que a "Vida Boa", aquela que os gregos debatiam e buscavam com tanto empenho, não se conquista por meio de retórica vazia, desapego estoico, riqueza ou poder político. Pelo contrário, a verdadeira Vida Boa é encontrada ao seguir o exemplo e os ensinamentos do filho primogênito de Maria, que confiou plenamente na sabedoria divina em todas as circunstâncias, viveu sem pecado, morreu em sacrifício expiatório e ressurgiu triunfante da morte.
Ao enfatizar a humanidade de Jesus, mesmo em Seu nascimento, Lucas torna o Filho de Deus mais acessível para que possamos conhecê—lo, relacioná—lo e segui—lo.
Além de ser a declaração de Lucas de que Jesus, o Filho de Deus, nasceu, sua descrição de Jesus como seu filho primogênito pode significar um ou mais dos quatro propósitos a seguir:
Jesus descendia do Rei Davi (Mateus 1:1, 1:17). José era o herdeiro legítimo e, como primeiro filho adotivo de José, Jesus era o sucessor legítimo. O anjo Gabriel declarou que "o Senhor Deus daria [ao filho de Maria] o trono de seu pai Davi" (Lucas 1:32b).
Jesus tinha meios—irmãos que também nasceram de Maria (Mateus 13:55, Marcos 6:3, João 7:3-5). José era o pai dos outros filhos de Maria. Jesus foi concebido pelo Espírito Santo (Lucas 1:35 — Mateus 1:20).
Lucas destaca como José e Maria cumpriram a exigência mosaica ao oferecer um sacrifício (Lucas 1:24) por “Cumpridos os dias do seu ministério, retirou—se para sua casa.” (Lucas 1:23).
A palavra grega traduzida como primogênito neste versículo é πρωτότοκος (G4416 — pronuncia—se: "prō—tó—to—kos"). Esta palavra é um composto de "protos" ("primeiro") e "tiktō" ("dar à luz" ou "gerar"). Pode significar o primeiro em tempo ou o primeiro em posição. É importante ressaltar que a palavra "protótipo" em português vem dessa raiz.
Um protótipo é o modelo original ou o primeiro modelo segundo o qual todos os outros são modelados ou julgados. No uso bíblico, "prōtótokos" frequentemente se refere não apenas à cronologia, mas também a status, autoridade e centralidade.
Jesus viveu uma vida perfeita, livre de pecado. Ele era o ser humano perfeito. E veio para redimir toda a humanidade. Nesse sentido, Jesus é o protótipo de Deus para todos os seres humanos, o que é um tema central do Evangelho de Lucas.
Essa ideia de Jesus como o protótipo "o primogênito" é explicada mais detalhadamente no Novo Testamento:
Jesus é o padrão original e perfeito e o modelo supremo de toda a humanidade.
Este significado de Jesus como o primogênito está intimamente ligado à descrição de Paulo de Jesus como o “segundo Adão” (1 Coríntios 15:45).
Assim como o primeiro Adão representou a velha humanidade e trouxe o pecado e a morte, Jesus (o segundo Adão)representa uma nova humanidade restaurada e traz justiça e vida eterna. Dessa forma, o termo primogênito talvez capte com mais clareza o papel de Jesus como o protótipo humano.
Primogênito neste contexto não significa “o primeiro a ser criado”, mas “supremo sobre”. Paulo, parceiro de ministério de Lucas e autor de Colossenses, não está sugerindo que Jesus foi o primeiro ser criado.
Como Filho de Deus, Jesus era eterno e não teve começo (Miquéias 5:2, João 1:1, 8:58, Hebreus 13:8, Apocalipse 22:13). Jesus existia antes da criação e ocupa o posto mais alto acima dela. Portanto, Paulo esclareceu o papel eterno e soberano de Jesus como Criador imediatamente após descrevê—lo como "o primogênito da criação" (Colossenses 1:15), quando escreveu:
“Pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, quer sejam tronos, quer dominações, quer principados, quer potestades; todas as coisas têm sido criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele subsistem todas as coisas”
(Colossenses 1:16-17)
Em vez disso, “o primogênito da criação” (Colossenses 1:15) aponta para Jesus como a fonte, o sustentador e o soberano sobre toda a criação. Como Deus, Jesus não foi criado, mas como homem, Ele nasceu na criação e como o primogênito da criação, Jesus é Senhor sobre toda a criação.
Isso retrata Jesus como o herdeiro supremo e governante não apenas da Terra, mas também do céu. O fato de os anjos serem ordenados a adorar Jesus revela Sua condição divina e Filiação eterna, e o fato de que Ele não é uma mera criatura, mas o Filho exaltado e eterno de Deus.
Mais uma vez, como o primogênito, Jesus é o começo da nova ordem de Deus, Ele é o protótipo da humanidade redimida.
E "prōtótokos" descreve como Jesus foi o primeiro a ressuscitar dos mortos para nunca mais morrer. Ele detém autoridade sobre a morte e a ressurreição. A ressurreição de Jesus como primogênito é uma garantia da ressurreição futura daqueles que confiam n'Ele, portanto, Ele lidera tanto a criação quanto a nova criação.
Além disso, o uso que Lucas faz do termo primogênito/“prōtótokos” filho de Maria é um interessante complemento à descrição que o Evangelho de João faz de Jesus como o Filho unigênito de Deus (João 1:14, 1:18, 3:16, 3:18).
O termo grego traduzido como “unigênito” nestes versículos é μονογενής (G3439 pronuncia—se: “mono—gen—ace”). Significa “único” ou “nascido de forma única”.
João enfatiza a natureza divina de Jesus e seu relacionamento eterno com o Pai: “Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou.” (João 1:18), “cheio de graça e de verdade” (João 1:14b). Lucas nos mostra um bebê deitado numa manjedoura, plenamente humano, nascido no mundo como filho primogênito de Maria.
O termo de Lucas (“prōtótokos”) destaca a verdadeira humanidade de Jesus, focando em Seu nascimento terreno, enquanto o termo de João (“monogenácia”) enfatiza a divindade de Jesus.
Há uma quantidade incrível de significado nesta simples frase: E ela deu à luz seu filho primogênito. É possível que Lucas tivesse todas essas ideias e/ou propósitos em mente quando descreveu Jesus como seu filho primogênito:
Versículo 7b e o enfaixou,
A afirmação de que a própria Maria o enfaixou descreve o momento em que a mãe envolveu seu bebê recém—nascido para mantê—lo aquecido. Esse detalhe íntimo provavelmente veio do testemunho ocular da própria Maria (Lucas 1:2). O amor maternal de Maria por seu filho bebê é evidente e parece ser semelhante ao afeto natural, porém intenso, que qualquer mãe tem por seu filho. A humanidade desse momento profundo é radiante e terna.
Neste ato, vemos Maria não apenas como a escolhida por Deus (Lucas 1:28), mas como uma mãe de primeira viagem fazendo o que as mães fazem há milênios: cuidar e vestir seu filho recém—nascido.
O relato de Lucas sobre Maria envolvendo seu filho bebê em panos e o colocando numa manjedoura é um dos testemunhos mais profundos da humanidade do Filho de Deus.
Jesus era plenamente Deus e plenamente homem. Sua humanidade completa não diminuiu em nada a Sua divindade, assim como a Sua divindade absoluta não suprimiu a Sua natureza humana finita. Em um paradoxo central para a fé cristã, Jesus Cristo é, ao mesmo tempo, integralmente divino e integralmente humano.
O Verbo eterno (João 1:1) havia se feito carne (João 1:14) e agora jazia nos braços de uma jovem mulher em um canto esquecido da Judeia. O Filho de Deus era um bebê indefeso que precisava dos cuidados de Sua mãe. Ele estava, ao mesmo tempo, mantendo o mundo inteiro unido (Colossenses 1:17).
Foi uma profunda humilhação voluntária que o Senhor de toda a Criação e Rei do Universo não tenha vindo em esplendor majestoso, mas, sim, envolto em panos pelos cuidados de Sua mãe. Essa forma de chegada constitui um momento crucial de Sua plena identificação com a condição humana, abraçando desde o nascimento e a infância até todas as necessidades inerentes à existência terrena.
Quando o Filho de Deus veio à Terra, Ele renunciou voluntariamente ao Seu direito divino e "o qual, subsistindo em forma de Deus, não julgou que o ser igual a Deus fosse coisa de que não devesse abrir mão, mas esvaziou—se, tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens" (Filipenses 2:6-7). Em linguagem contemporânea, poderíamos dizer que Jesus não "considerou ter o privilégio de permanecer no conforto celestial", mas, ao contrário, escolheu abraçar a missão extremamente árdua que Lhe fora confiada pelo Pai. Ao agir assim, Ele estava vivendo na prática Seus próprios ensinamentos, nos quais afirmou que a vida em plenitude é alcançada por um caminho difícil, acessível apenas através de uma porta estreita (Mateus 7:13-14).
Este momento em que Ele foi envolto em panos por Maria foi um dos primeiros de muitos outros incontáveis casos em que Jesus, como Filho de Deus, não reivindicou nem confiou em Sua identidade ou poderes divinos, não seria o último.
A expressão "e o enfaixou" refere—se ao que às vezes é traduzido como "faixas". O termo grego que Lucas usa para faixas é σπαργανόω (G4683 pronuncia—se: "spar—gan—ah—ō"). Essa palavra descreve longas tiras de tecido, em vez de uma camisa ou cobertor, muito menos um manto real para o Messias, Rei dos Reis e Filho de Deus. As faixas não eram tecidos luxuosos e suas faixas indicam a pobreza da família de Jesus.
Essas tiras de pano eram usadas para envolver firmemente o Messias recém—nascido, restringindo seus movimentos e proporcionando calor e proteção.
Curiosamente, alguns associam essas tiras de linho às usadas para sepultamento no mundo antigo.
O fato de Jesus ter sido envolto em panos ao nascer prenuncia como Ele seria novamente envolto em linho após Sua morte. José de Arimateia “desceu [o corpo de Jesus] e o envolveu num lençol de linho” (Lucas 23:53).
O paralelo entre as vestes do nascimento e da morte de Jesus é tanto simétrico quanto simbólico.
Quão apropriado é que Aquele que é “o Cordeiro que foi morto” (Apocalipse 13:8) e que “foi conhecido antes da fundação do mundo” (1 Pedro 1:20) deveria, no momento de Seu nascimento, ser envolto em um tipo de pano semelhante ao que envolveria Seu corpo no sepultamento.
Desde o início, a missão de Jesus era morrer para salvar a humanidade (Lucas 19:10).
O simbolismo presente nesse momento, estar envolto em panos semelhantes aos de um funeral, serve como uma declaração silenciosa de que essa criança nasceu para morrer e, ao fazê—lo, trazer vida a muitos.
Versículo 7c e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Os fatos nessas declarações fornecem detalhes esparsos, mas informações importantes que os leitores do Evangelho de Lucas podem usar ao visualizar e entender a cena do nascimento de Jesus.
Primeiro, Lucas registra que Maria colocou seu filho recém—nascido em uma manjedoura (um cocho para alimentação de animais). Tratava—se de um local incomum para um bebê, portanto, o evangelista logo acrescenta uma explicação: não havia lugar disponível para eles na hospedaria.
Talvez seja mais fácil explicar essas duas cláusulas na ordem inversa, porque a primeira cláusula: e o deitou numa manjedoura — é a consequência da segunda cláusula: porque não havia lugar para eles na hospedaria.
A pousada refere—se ao espaço de hospedagem pública para viajantes em Belém.
Maria e José, que eram de Nazaré, na Galileia, estavam a vários dias de viagem de sua casa, na cidade de Belém, para se registrarem para o censo de César. Sua obediência à autoridade terrena fazia parte do plano providencial de Deus. Isso os colocou exatamente onde as profecias haviam predito que o Messias nasceria (Miquéias 5:2).
A maioria das cidades da Judeia possuía uma pequena "kataluma" pública — a palavra grega traduzida como estalagem (G2646). Provavelmente não era uma estalagem comercial como imaginamos hoje, mas sim um abrigo simples perto de uma estrada principal, fonte de água e pasto para animais, kataluma estava longe de ser luxuosa. Normalmente, não passava de um ou dois quartos, com pouca ou nenhuma mobília, para acomodar todos os viajantes que não tinham uma casa para se hospedar.
Essas hospedarias serviam como alojamento gratuito para viajantes e estavam enraizadas no valor judaico da hospitalidade, ordenado pela Lei de Moisés (Êxodo 22:21, Levítico 19:33-34, Deuteronômio 10:18-19, 24:19-21). Ocasionalmente, um morador local atuava como zelador da hospedaria e podia cobrar uma pequena taxa por alimentação ou cuidados, como ilustrado na "Parábola do Bom Samaritano" (Lucas 10:34-35).
Dado o evidente estado de trabalho de parto de Maria, é altamente provável que José tenha procurado hospedagem e sido recusado. Como a maioria das katalumas abrigava vários viajantes sem parentesco, o parto dela teria perturbado todo o espaço e deslocado todos os outros. Também teria tornado o local cerimonialmente impuro (Levítico 12:2).
Em vez de expulsar todos os viajantes da hospedaria ou submeter Maria à vergonha pública, José provavelmente aceitou uma alternativa mais reservada e muito mais humilde: um abrigo isolado usado para abrigar animais. Na Judeia, naquela época (e até hoje), o gado era abrigado em cavernas fechadas. Essas cavernas protegiam o gado de predadores e elementos. As cavernas frequentemente incluíam uma manjedoura onde podiam ser alimentados e abeberados.
Ser mandado embora da hospedaria em um momento tão estressante provavelmente testou a fé de Maria e José. Com poucas opções a quem recorrer em busca de ajuda, eles estavam passando por uma emergência e uma situação difícil. Provavelmente não era isso que imaginavam quando o anjo lhes disse que seriam a mãe e o pai adotivo do Messias e, no entanto, ali estavam eles, em uma cidade diferente, a dias de casa, e o filho de Maria vinha ao mundo quando eles não tinham onde ficar.
A rejeição de José e Maria na kataluma de Belém não foi meramente circunstancial. Foi emblemática da rejeição e da falta de reconhecimento que Jesus experimentaria ao longo de Seu ministério como Messias.
O Filho de Deus, por meio de quem o mundo foi criado (João 1:3), foi rejeitado no momento do Seu nascimento. Aquele que merecia a mais alta honra foi recebido com portas fechadas e sem espaço. Como João escreveu mais tarde: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.” (João 1:11).
Esse momento já anuncia a vida de rejeição e sofrimento que caracterizaria Jesus (Isaías 53:3) e amplifica a maravilha expressa por Paulo: que, sendo rico, Ele Se fez pobre por nossa causa (2 Coríntios 8:9). O Rei não nasceu em meio ao esplendor, mas na obscuridade. E Seu nascimento em pobreza foi o prelúdio de uma vida de despojamento e de um sacrifício divinamente extravagante.
Não sabemos o local exato onde o casal foi, pois Lucas não nos diz. Ele apenas diz que ela o deitou em uma manjedoura. Como mencionado acima, uma manjedoura é um cocho usado para armazenar feno ou grãos para animais. Se você tiver a sorte de visitar Belém, poderá ver exemplos dos tipos de cavernas em que Maria teria dado à luz, em um lugar chamado "Campos dos Pastores." O local tradicional do nascimento de Jesus também é uma caverna escavada e adaptada para turistas e fica sob uma igreja construída em homenagem ao local.
O fato de Jesus ter sido colocado numa manjedoura sugere as condições humildes de Maria e José, que não podiam pagar por uma hospedagem melhor para o nascimento da criança. Isso retrata Jesus humilhando—se em obediência ao Pai. Podemos imaginar que Maria teria aproveitado ao máximo a situação. Talvez ela tenha afofado um pouco de palha para o conforto de Jesus e O tenha envolvido em faixas de pano para se aquecer e protegê—lo das picadas da palha.
Como já mencionado, diferentemente das representações modernas de estábulos de madeira, os abrigos para animais na Judeia eram frequentemente cavernas adaptadas ou recintos fechados com muros de pedra. Tanto a tradição cristã primitiva quanto as evidências arqueológicas apontam que o local do nascimento de Jesus pode ter sido uma dessas grutas. Esses espaços, com piso de terra e destinados aos animais, eram os últimos lugares onde se esperaria um nascimento real. No entanto, foi justamente ali, no cenário menos provável, que o plano redentor de Deus se revelou: Aquele que mantém todas as coisas coesas (Colossenses 1:17) foi depositado em um cocho de animais.
Novamente, há aqui uma ironia de profunda dimensão. O Criador do universo, que merecia um palácio e a adoração das criaturas, fez Sua entrada no mundo em um espaço próprio para animais. Sua mãe era uma jovem de condição humilde (Lucas 1:48), Seu pai terreno, um artesão da classe trabalhadora (Mateus 13:55), e Seu primeiro berço, um cocho de alimentação para gado.
Esta cena humilde do nascimento de Jesus resume as palavras de Filipenses 2:7: mas esvaziou—se, tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens”. E por causa da humilde obediência de Jesus, “até a morte e morte de cruz” (Filipenses 2:8), Deus exaltaria esta Criança nascida de forma obscura e lhe concederia “o nome que está acima de todo nome” (Filipenses 2:9).
O Salvador não veio em meio ao esplendor, mas em pobreza humilhante. Este foi um início muito diferente do espetacular que muitos poderiam esperar para o Messias. O Rei Divino do universo nasceu em uma gruta, como um bebê humano pobre e vulnerável, a fim de redimir a humanidade por meio de Seu sofrimento justo em carne humana para que pudéssemos, um dia, desfrutar da vida eterna com Ele em plenitude de esplendor e glória (2 Coríntios 8:9).